Tropeços, tendências e um tantinho de fé no futuro
Inclusão, tretas e até boneca de IA. Uma crônica sobre um mês cheio de camadas...
Abril chegou daquele jeito: misturando um monte de emoções em um só pacote e exigindo de mim uma elasticidade emocional digna de contorcionista de circo.
Eu já estava quase começando a escrever o roteiro para o mês, quando percebi ser atropelada pelas obrigações e uma agenda lotada. Abril ainda teve o feriado de Páscoa, de Tiradentes e um pequeno episódio de capacitismo justamente num ambiente onde eu esperava acolhimento — e olha, a lição ficou clara: o tempo que você perde em alguns lugares é o mesmo que você pode usar para construir novos caminhos, conhecer novas pessoas e, quem sabe, transformar o que parecia impossível em algo bem mais fácil de ser superado. Porque, no fim das contas, quem se importa com as pequenas derrotas quando a gente tem novas ideias batendo à porta?
Aliás, este foi um mês tão intenso que o artigo que eu queria liberar ontem acabou ficando para hoje. E cá estamos, numa segunda-feira com a energia renovada para tocar o finzinho do mês com mais leveza. Mais um pequeno tropeço no calendário, mas que me lembra que, às vezes, o tempo só espera o momento certo para ser vivido.
É o mês da inclusão de pessoas com TEA, o que deveria significar espaços mais abertos e respeitosos para autistas. Deveria. Porque o que não faltou foi empresa querendo se mostrar "super inclusiva" convidando autistas para dar palestras — de graça, claro — como se nos dar "voz" já pagasse boleto e mercado. Se uma pessoa autista oferece de coração fazer uma palestra voluntária, ótimo, é genuíno. Eu mesma às vezes faço, porque acredito que é parte da minha função social — e quando isso acontece, geralmente me dão um espaço real, com estrutura, para divulgar e vender minhas obras e divulgar meus serviços. Mas ser convidada a trabalhar de graça enquanto a empresa bate foto para o LinkedIn sem ter um autista empregado? Surreal.
Apesar disso, teve coisa boa, sim. Participei como voluntária do piquenique TEA no Jardim Botânico de Santos, junto com a ONG "Leitura na Praça", em parceria com a "Inclusão para Todos". Um evento lindo, cheio de famílias, livros, e momentos que aquecem a alma de verdade. Conheci pessoas maravilhosas: uma delas foi a Lia, uma mulher com uma história de superação digna daquelas que depois dão vida à filmes baseados em fatos reais. Teve também a Amanda, uma mãe atípica que decidiu transformar sua trajetória e sua formação em psicopedagogia num meio de auxiliar empresas na difícil arte da inclusão — um presente pra mim, que vivo buscando pessoas alinhadas à essa minha missão e propósito de vida. Agora preciso dar um jeito de fazer meu livro chegar até ela!
Também conheci a Priscila e o Francisco, presidentes da ONG "Inclusão para Todos", que organizaram tudo com tanto cuidado, que mesmo na hora do pequeno caos — uma bicicleta que sumiu no meio do evento — não perderam o sorriso. Imaginem: acionamos até a guarda municipal para encontrar a bicicleta e, no fim, descobrimos que um menino de 4 anos a pegou emprestada para brincar, sem avisar ninguém.
Cena digna de uma comédia pastelão de final feliz!
E ainda teve o Sérgio, um rapaz prestes a completar 40 anos, diagnosticado tardiamente, que fala cinco idiomas, é formado em história, tem hiperfoco na língua portuguesa — e que, pasmem, está fora do mercado de trabalho por falta de acessibilidade. E tem gente que chama o autismo nível 1 de "leve"... Leve pra quem? Será que esse pessoal faz ideia do peso e da dor do isolamento social? Agora me comprometi com ele a ajudá-lo a encontrar um caminho.
Conheci também o Rodrigo, responsável pelo “Leitura na Praça”, o mais especial para mim, pois foi quem me convidou para colaborar e abriu as portas para conhecer pessoas tão incríveis. Ele é uma dessas conexões que dão sentido a tudo!
Falando em coisa fofa: a trend das bonecas de IA dominou as redes! Minha amiga Anelisa criou uma boneca com tanta fidelidade à minha essência que fez meu coração ficar quentinho. Ver-se retratada de forma tão doce em meio ao caos que é o mundo adulto é uma sensação que não tem preço. Vejam se não ficou linda?!
Só que abril sendo abril, nem só de doçura viveu a cidadã aqui. No meio da correria, ainda sobrou tempo para receber uma cantada bizarra de um sujeito que me não me via há mais de um ano e achou adequado me chamar para um “encontro a quatro paredes”, sem nunca termos tido nada. Recusei com elegância (e um tantinho de indignação). O rapaz, claro, tentou fazer um gaslight clássico: ficou bravinho, disse que eu era “muito literal” e que “não daríamos certo mesmo”. Jogou a característica do TEA no meu colo para tentar se vitimizar e inverter a situação. Uma aula prática de como ser machista, capacitista e narcisista em apenas três mensagens de WhatsApp. Um ego maior que a Via Láctea e inversamente proporcional ao domínio da língua portuguesa. Trago aqui a conversa, omitindo nomes, apenas para conscientização, reflexão e abertura do diálogo sobre o tema:
Ser mulher e autista é isso: navegar entre machismos, capacitismos e narcisismos com a leveza de quem equilibra pratos no alto de uma corda bamba. Mas seguimos. E mais empolgada do que nunca para a palestra que darei amanhã, terça-feira, na OAB. Ali, terei espaço para falar sobre um assunto que me atravessa profundamente: os prejuízos do diagnóstico tardio em mulheres autistas. Aliás, fica aqui o convite para quem ainda não estava sabendo!
Abril me testou em vários níveis, mas também me lembrou que resistência, amor-próprio e humor são a nossa verdadeira resposta para um mundo que ainda está aprendendo (ou fingindo aprender) o que é inclusão.
E, no meio de tudo isso, a partida do Papa Francisco, em 21 de abril, trouxe uma pausa para reflexão. Sua figura, que marcou mais de uma década de liderança, nos deixa uma mensagem profunda sobre o poder do afeto e da escuta verdadeira. Um homem que soube acolher com humildade e humanidade, especialmente nos momentos de dor, nos lembra que o que realmente importa é como tocamos a vida do outro.
Em meio à intensidade da vida, esses gestos de acolhimento se tornam os maiores ensinamentos.
Foi pensando nisso que, entre os encontros e reencontros que abril me trouxe, a presença de Andrea se destacou. Uma pessoa especial, um verdadeiro milagre do universo. Ela, apesar de neurotípica, sempre faz questão de entender e participar do meu mundo de maneira genuína. Em meio a tantas outras pessoas que nos deixam na solidão de seus julgamentos, Andrea reaparece como um sopro de humanidade, uma lembrança viva de que ainda há pessoas capazes de nos fazer manter a fé num mundo mais doce, com a mesma leveza e acolhimento que o Papa Francisco nos ensinou a valorizar.
Entre tantos encontros bonitos, também entendo que algumas memórias permanecem comigo, como cartas não enviadas. Não procuro quem partiu — a vida, sábia, ensina a dançar com o que fica. Contudo, carrego uma esperança silenciosa: a fé de que, em alguma dobra do tempo, os caminhos possam se tocar de novo. Porque certos afetos não se apagam; apenas adormecem sob a luz das estrelas, à espera do instante perfeito para renascer.
Alguns reencontros florescem até na ausência.
E você? Qual foi o seu maior “surrealismo” de abril? O que achou da “cantada desastrosa”? O que teria feito no meu lugar? Me conta nos comentários — quero rir, acolher e dividir esse caos poético da vida real com você.
Parabéns pelo artigo, realmente foram muitas as camadas e você soube lidar muito bem com todas elas!👏
Obrigada pelas palavras de carinho. Saber que a minha presença teve essa importância é algo que me deixa feliz!💓☺️